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A lei elimina preconceito ?
N�o sou ing�nuo nem simplista ao ponto de imaginar que a exclus�o e o preconceito n�o existem e que, uma vez que a pr�pria Constitui��o � expl�cita em afirmar a igualdade de todos, nada se possa ou se deva fazer

A Lei �urea n�o garantiu, de forma efetiva, direitos iguais aos negros, embora concordemos que tenha sido, historicamente, uma proclama��o de justi�a e verdade. E a lei valeu mais por essa quest�o de princ�pio do que por qualquer efeito pr�tico, pois, se como escravos, tinham comida e moradia, embora prec�rias, "libertos" at� isso lhes foi negado.

Tamb�m a Declara��o Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que proclama que todos os homens nascem iguais em dignidade e direitos, embora justa e verdadeira, permanece um discurso no deserto. Ou algu�m tem d�vida que, no contexto dos povos ou na��es hegem�nicas, entre um cidad�o norte-americano, do g�nero masculino, branco, ascend�ncia europ�ia, crist�o, e uma mulher negra, africana da etnia tutsi, mu�ulmana, o americano � "mais igual" em dignidade e direitos? E n�o � por falta de lei e de discurso. Devemos ficar de sobreaviso quando se proclama o fim de problemas sociais por decreto.

A supera��o da exclus�o e do preconceito jamais se far� por lei ou por decreto. � uma quest�o social complexa e, como tal, tem a ver com princ�pios, valores e posturas. A sociedade � resultado do que pensamos, � fruto das nossas cabe�as. Ent�o � preciso entender que n�o temos o poder de mudar a sociedade. O que conseguimos � apenas mudar as nossas cabe�as e o que pensamos.

Fa�o esta reflex�o a prop�sito da id�ia defendida inclusive pelo presidente Lula de se estabelecer, por decreto, uma cota de vagas na universidade para pessoas negras. Temo que este decreto, querendo diminuir a exclus�o, apenas reafirme e cristalize uma situa��o social de inferioridade. Ora, elas t�m direito de acesso � Universidade n�o por serem negras, mas porque, como seres humanos est�o, sem qualquer ressalva, no mesmo n�vel de direito de qualquer outra etnia. Algu�m dir� que na teoria � assim, e todos concordam, mas a realidade est� distante. No entanto, esta proposta passa tamb�m a id�ia de compaix�o ou paternalismo de um grupo que se considera hegem�nico em rela��o a outro visto como subalterno. Isto � doloroso, excludente e agressivo.

N�o sou ing�nuo nem simplista ao ponto de imaginar que a exclus�o e o preconceito n�o existem e que, uma vez que a pr�pria Constitui��o � expl�cita em afirmar a igualdade de todos, nada se possa ou se deva fazer. A dignidade e os direitos dos cidad�os n�o s�o concess�es de ningu�m, mas conquistas que requerem aten��o e luta permanente. A dignidade e os direitos se efetivam atrav�s da educa��o de qualidade para todos, de oportunidades de trabalho, de pol�ticas de distribui��o de renda, de servi�os p�blicos competentes. � nesta dire��o que devem fluir as pol�ticas p�blicas e o esfor�o do cidad�o de boa vontade.

Compreendo e respeito as pessoas e organiza��es que defendem a pol�tica de cotas. Penso no que disse algu�m: "Quem usa o sapato sabe onde ele aperta". N�o desejo confrontar; apenas questiono se esta pol�tica n�o seria um tiro no p� dos que dela deveriam se beneficiar. Se dermos aos negros as mesmas condi��es de acesso a uma educa��o b�sica de qualidade, como � de direito, falar em cotas perde o sentido. Al�m disso, a proposta traz quest�es bem pr�ticas a serem resolvidas. Entre outras, o percentual que define as cotas seria o mesmo em Salvador, onde os negros e pardos representam 80% da popula��o, que em outras cidades onde a propor��o � inversa?

Dia 20 de novembro comemoramos aqui no Brasil, o Dia da Consci�ncia Negra, em mem�ria de Zumbi dos Palmares. Gosto da express�o: consci�ncia negra. Sugere viver a ra�a com orgulho. Passa a id�ia bonita, rica e generosa da diversidade: somos iguais como esp�cie e �nicos, singulares e diferentes como indiv�duos. Somos uma na��o privilegiada por essa diversidade �tnica e cultural. Quanto � afirma��o da etnia negra neste contexto, parece-nos que mais consci�ncia teve Zumbi dos Palmares do que a princesa Isabel. N�o duvidamos da boa vontade da princesa, nem afirmamos a inutilidade da Lei �urea. Zumbi, dois s�culos antes, proclamara a verdade com a��o, sonhando com seu povo livre e igual nos Quilombos.

Dos tempos de Zumbi e da princesa Isabel at� hoje, evolu�mos e somos mais abertos como sociedade. A discrimina��o e o preconceito, ainda existentes, n�o atingem apenas o negro, mas o pobre, o favelado, o sem-terra, a mulher, o ind�gena... Posso estar errado, mas penso que a id�ia das cotas faz uma discrimina��o invertida. Essa lei poder� ser apenas declara��o de culpa ou al�vio de consci�ncia do grupo que se coloca como hegem�nico ou apenas um ato de compaix�o que nenhum ser humano merece porque � profundamente discriminat�rio e preconceituoso. O negro n�o precisa entrar na universidade pela porta dos fundos. Ele tem a mesma capacidade e dignidade para entrar pela porta da frente.

* Paulo J. Rafael � jornalista, professor universit�rio e doutorando em Ci�ncias Pol�ticas e Administra��o P�blica pela AWU- American World University of Iow



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Toronto,
3/Mar�o/2003
Edi��o 770
ANO XXIII

   
   
    * Paulo J. Rafael
   Direto do Brasil
   

 

 

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