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" ENCONTRO INESPERADO "
C O N T O

Considerava esses dois elementos insepar�veis, ao ponto de usar o �ltimo peda�o do primeiro, para limpar o prato dos restos do segundo e fazia-o de tal modo, que a D. Laura quase o poderia guar-dar sem o lavar.

Sempre que o casal descobria uma nova receita, l� a esposa ia para a cozinha, esmerar-se na sua prepara��o. Se um gostava de comer, o outro adorava cozinhar!

Com a perda do marido, fora-se o incentivo que a prendia � cozinha, agora uma das depend�ncias da casa, onde menos permanecia; ha-bituara-se a umas refei��es li-geiras, que n�o estavam ligadas a recorda��es.

Como se sentia feliz nesse tempo, depois de servir uma nova iguaria, de olhos postos no marido a apreciar-lhe as express�es durante o repasto.

Ela em si, pouco comia, alimentava-se mais da sua vaidade de cozinheira em�rita, do que das excelentes petiscadas que trazia para a mesa.- Ele sim, era um espe-t�culo ver-lhe os olhos a rola-rem de satisfa��o ao analisar o sabor de um bacalhau assado no forno, ou de um coelho estufado. As bochechas luziam-lhe de esticadas, pois mantinha sempre a boca bem cheia, enquanto os dentes trabalhavam activamente como m�s de moinho.

�s vezes em jeito de pru-d�ncia, atrevia-se a lembrar-lhe ao que os desmandos alimentares o poderiam conduzir, arruinando-lhe a sa�de, mas logo se arrependia, ao ver o ar infeliz do marido. Agora sentia-se um pouco culpada da solid�o em que ficara, pois at� certo ponto contribuira para ela!

Ainda vistosa para os seus quarenta e cinco anos, que ninguem lhe dava, a D. Laura poderia f�cilmente voltar a casar, era por�m t�mida e n�o procurava fazer boa propaganda dos seus dotes f�sicos e morais. Tudo levava a crer, que ap�s a morte do Napo-le�o, nenhum outro imperador voltaria a reinar no seu cora��o ou naquela casa, a n�o ser que alguma coisa de anormal acontecesse� Po-r�m nos tempos actuais, em que tudo � t�o dif�cil, raramente se ouvia falar de milagres!

* * *

Neste mundo de contrastes, enquanto uns morrem pelo excesso de alimenta��o, outros exalam o seu �ltimo suspiro, por deliberada insufici�ncia da mesma.

A D. Henriqu�ta Bandeira pertencera ao �ltimo grupo. Ao contr�rio de nutrir as suas c�lulas, atrav�s de refei��es equilibradas, deixara que elas se deteriorassem ao ponto de provocarem a viuvez do professor Ac�cio Bandeira.

Este sentia-se terrivelmen-te s�, naquela pequena cidade de que nunca gostara e a que viera parar por imposi��o da esposa.

Deveria ter-lhe resistido, ter feito o seu papel de galo na capoeira, mas pertencia ao tipo dos que preferem ceder, a dar luta; um fraco de esp�rito, dentro de um corpo alto e bem proporcionado.

Ficara viuvo ia para seis meses e ainda n�o assentara um plano decisivo, quanto � sua vida futura; vivia um dia a dia triste, numa incerteza de-sesperante. Por vezes sentia assalt�-lo um sentimento de culpa pela morte da esposa.

Era seu dever ter-se imposto contra as absurdas dietas, por ela seguidas. Tentara-o, mas com pouca firmeza, quase at� � maneira de par�dia, a ver se a mulher o ouvia, mas nada. Chegara ao extre-mo de a comparar ao esqueleto pl�stico, que usava nas aulas, para as suas classes de anatomia, tudo por�m sem resultado; os piores surdos s�o os que n�o querem ouvir!

Sempre que se atrevia a aponta-lhe a magreza, ela nas suas desculpas absurdas, tinha uma parte do corpo, (onde s� se viam peles secas e rete-zadas a cobrir os ossos), para lhe mostrar, apontando horrorizada, como precisava per-der uns quilos ali, para ficar mais elegante! O que ela per-dera como tantas, fora o senso da realidade.

A este estado de coisas, seguira-se o ponto onde j� n�o seria poss�vel retornar.

Ca�ra gravemente doente, e a medicina com todos os seus recursos, fora incapaz de restituir �queles org�os, por t�o longo espa�o de tempo destituidos dos nutrientes essenciais � vida, as condi-��es que eles haviam perdido. Fora-se-lhe a sa�de para sempre�

Tentara uma regi�o nos planaltos, onde o ar e as �guas eram puros e as comidas frescas e nutritivas, mas fora em v�o. Aquela chama vacilante apagara-se, longe de casa e dos seus �ltimos carinhos.

*

Preciso fazer qualquer coi-sa, monologou o desesperado Bandeira, que me fa�a sair desta situa��o; estou a dar comigo a falar sosinho e isto pode ser o primeiro passo para o suic�dio ou para a loucura!�

"�Se alguma vez me ti-vesses ouvido, Henriqu�ta", continuou a bradar o professor tristemente, poderiamos ainda estar juntos e felizes, mas por nada no mundo o quizeste! Preferiste, no teu egoismo cego, entregares-te �s tuas dietas loucas, ao contr�rio de uma vida s� de prazer e amor e estas foram as consequ�ncias que me dei-xaram na solid�o!

* * *

(continua na pr�xima edi��o)

Toronto - 1989
Leia do autor:
A Ilha do Dolphin
e Folhas Levadas
P'lo Vento


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Toronto,
5/Maio/2003
Edi��o 779

ANO XXIII

    F. Feliciano de Melo
   

 

 

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