No apêndice de inovações inserto no livro
"Nossa Senhora na História & Devoção do Povo
Português", o Padre José do Vale Carvalheira informa-nos
sucintamente ser Nossa Senhora da Boa Viagem
"uma devoção muito querida dos pescadores".
Levantei-me entremanh�,
Logo ao romper d'aurora,
P'ra pedir boa viagem
� Virgem Nossa Senhora.
A lanchinha do meu bem
Anda no mar �s bicudas;
Nossa Senhora lhe d�
Das gradas e das mi�das.
A Senhora da Boa Viagem
D� um cheiro que rescende:
� o manto da Senhora
Que p'lo mar se estende.
A Senhora da Boa Viagem
Tem um rebate de vidro,
Que lhe deu um mar�timo,
Qua andava no mar perdido.
Guido de Monterey, no seu livrinho
"As Duas Ilhas do Oriente", aponta-nos a existência duma ermida dedicada a Nossa Senhora da Boa Viagem, provinda so
século 18 e erecta no lugar der Santana na ilha de Santa Maria dos Açores. Esta notícia, porém, está desguarnecida de quaisquer pormenores. No entanto, na revista
"Insulana" (Vol. XVI, 2ª. Semestre, 1960) deparei com uma
"Descrição da Ilha de Santa
Maria" feita pelo continental Jo's Carlos de Figueiredo, tenente-coronel d'engenheitos,
que em 1815 ali foi em comissão, informando-nos
que: "Este sítio de Sant'Ana, também se chama de Nossa Senhora da Boa Viagem em sua Ermida onde estão
quatorze cazaes de seareiros, em distância da Vila uma légoa".
� Senhora da Boa Viagem,
Sois pequenina e bem feita;
Livrai os homens do mar,
D�i-lhe a vossa m�o direita.
A Senhora da Boa Viagem
Tem uma capa bordada:
Quem me dera assim ter uma
P'ra dar � minha amada.
Em São Miguel vamos encontrar Nossa Senhora da Boa Viagem na freguesia das Calhetas (Conselho da Ribeira Grande), já referida por Gaspar Frutuoso nos
seguintes dizeres: "Calhetas, em umas pontas e arrecifes de pedra, em que se toma muito peixe de tarrafa e se fazem boas pescarias (...) onde está a fazenda e quinta
do grão Capitão Francisco do Rego, com uma ermida nela".
(Saudades, Liv. IV, Pág. 193, Ed 1998).
É certo que Frutuoso não menciona o nome dado à ermida, o mesmo acontecendo com António Cordeiro que, ao falar de Rabo de Peixe, alude a uma
"ermida de Nossa Senhora, que de antes era a
paróquia". (História Insulana, Pág. 144, Ed. 1981).
Por seu turno, Agostinho de Monte Alverne afirma peremptoriamente ser esta ermida da invocação de Nossa Senhora da Boa Viagem, acrescentando ainda que D.
Frei Lourenço de Castro, décimo-quarto bispo dos Açores (1671-76), na sua visita pastoral a S. Miguel em, 1674 havia prometido o título de curato à Ermida da Boa Viagem das
Calhetas, "por ter muitos fogos e
gente"e ficar muito distante de Rabo de Peixe. (Cró-nicas, Vol. II, Pág. 310, Ed. 1994).
Diogo da Chagas enumera Nossa Senhora da Boa Viagem entre as ermidas espalhadas pela freguesia de Rabo de Peixe, (Espelho Cristalino), Pág. 186, Ed.
1989) enquanto Francisco Afonso das Chagas e Melo classifica Nossa Senhora da Boa Viagem como curato. ( A Margarita Animada, Pág. 68, Ed 1994).
A Senhora da Boa Viagem
Traz uma candeia na m�o,
P'ra guiar a minh'alma
Ao porto da salva��o.
Senhora da Boa Viagem,
Senhora d'alta valia:
Levai-me c� deste mundo
P'r� vossa companhia.
A primitiva ermida das Calhetas foi reconstruída em 1728 e remodelada novamente nos anos de 1830, destacando-se na Igreja actual a formosíssima imagem
da padroeira, esculpida em 1935, representando-a adentro dum barco, navegando am mar bravio, tendo a seus pés um pescador implorando-lhe auxílio.
Elevada a freguesia em 1924, a povoação das Calhetas
"está situada sobre a rocha na costa norte da ilha, a quem o mar tem vindo a roubar
constantemente as suas casas (...) ainda hoje os Calhe-tenses chamam a esses calhaus em pleno mar a Pedra da Boa
Viagem". (Apontamento Histórico e Etnográfico, Vol.
II, Pág. 283, Direcção Escolar de P. D.).
Consta-me que na Ribeira de Chã, (Conselho da Lagoa), existe um Nicho dedicado à Nossa Senhora da Boa Viagem, cuja inauguração ocorreu aos 15 de Dezembro
de 1973.
A� vem a barca nova
Que se vai deitar ao mar;
Nossa Senhora vai dentro
E os anjinhos a remar.
A Virgem Nossa Senhora
Quando vai a navegar,
Tira o manto da cabe�a,
deita-o por velas ao mar.
Na Ilha Terceira a devoção a Nossa Senhora da Boa Viagem está profundamente arreigada no Bairro do Corpo Santo, pertencente à freguesia da Conceição e sobranceiro á Baía d'Ángra. A primitiva ermida remonta aos primórdios do povoamento local e resultou da iniciativa promovida pelos pescadores, com a ajuda do Capitão Donatário e de várias familias nobres, tornando-se popularmente conhecida
por "ermida dos mareantes." A princípio a ermida teve a denominação de S.
Pedro Gonçalves, mas um pouco mais tarde passou a ser chamada também de N. S. da Boa Viagem, visto albergar uma imagem bastante antiga com aquela invocação.
Eventualmente, quando houve necessidade de transferir a ermida e reconstruí-la em lugar diferente, por se encontrar a ruír a rocha onde
assentava, "foram precisamente os marítimos do Corpo Santo que diligenciaram a transferência e construção deste templo p'ra lugar mais seguro e
firme." (Padre Alfredo Lucas, As Ermidas da Ilha Terceira, Pág. 20, Ed. 1976).
As obras, principiadas em 1931, ficaram concluídas em 1934. Da salientar a fachada, bastante alta vistosa, encimada com torre, uma rosácea ao centro, duas
janelas laterais e larga porta d'éntrada. Lembra-nos ainda o Padre Lucas
que "ao lado dum pequeno adro encontra-se uma casa onde os marítimos guardavam
os apetrechos da pesca, e junto dela está o Império do Espírito Santo."
A ermida dispõe de três altares, vendo-se no da capela-mór a antiga imagem de N. S. da Boa Viagem, e nos laterais as imagens de S. Pedro Gonçalves e de S.
Lourenço. Aparentemente, a linda caravela em miniatura existente no corpo da ermida foi danificada pelo sismo de 1980, pois que a procissão do ano
corrente "foi marcada também pela integração duma réplica da embarcação que saía todos os anos da Ermida da Boa Viagem em direcção ao porto de Pipas num
andor." (Diário Insular, 14/Maio/03).
Curiosamente, Gaspar Frutoso fez a devida referência á ermida do Corpo Santo em Angra, atribuíndo-lhe apenas o título
de "ermida dos mareantes", (Saudades,
Liv. VI, Pág. 13, Ed. 1998), mas servindo de testemunha á sua antiguidade, enquanto António Cordeiro é mais explícito na descrição do
"vistoso e alto bairro que chamam do Corpo Santo, de que a maior parte é de mareantes, que tem em um alto para o mar a sua célebre Ermida do dito Corpo Santo, e tem tantas ruas ou travessas, que seria importuno em
contá-las." (História Insulana, Pág. 273, Ed. 1981).
Á ermida do Corpo Santo também se referem, embora de passagem, os cronistas Diogo das Chagas e Agostinho de Monte Alverne, mas sem correlação com a
Senhora da Boa Viagem ...
Prometo regressar com nova crónica muito em breve. Até lá:
Senhora da Boa Viagem,
Senhora da Boa Viagem,
Vinde-me esperar ao rio;
� sua ermida hei-de voltar,
Qu'eu sou rapariga nova,
Posso ter algum desvio.
Que me esqueceram as contas
Em cima do seu altar.