Depois de percorrer as ilhas de Santa Maria, S. Miguel, Faial, Pico e Graciosa, eis-nos alfim na Terceira onde a presença da
BOA NOVA se patenteia numa rua, num largo, num hospital e numa ermida, adentro da cidade d'Angra, em cujo seminário diocesano estagiei uma novena d'anos (1946-55).
Sem mais delongas, inicio a elaboração desta crónica transcrevendo, primeiramente, as informações contidas no
livro "Memória sobre a Ilha
Terceira", publicado em 1904, da autoria do angrense Dr. Alfredo da Silva Sampaio, e reproduzidas na edição comemorativa dos 450 anos da Cidade
d'Angra em 1985.
A Ermida da Boa Nova, situada no largo do mesmo nome e contígua ao Hospital Militar, foi construída pelos castelhanos em 1584, ficando por este facto pertencente ao castelo. Nesta ermida, que no princípio se denominava de N. S. do Têrço, existia o Sacramento, com rica confraria, cujos
rendimentos passaram á Orden de Cristo depois da Restauração.
Quando, no dia 24 de Fevereiro de 1642, foi avistada pelo povo terceirense (que ladeava a ermida) a bandeira branca içada no mastro da fortaleza, soltou-se imediatamente o grito de Boa Nova, e com este nome ficou sendo conhecido o local e a ermida. Foi neste templo que se celebraram os
tratados da capitulação castelhana, pelo que D. João IV elevou esta ermida a capela real. Ainda hoje existe, sobre a modesta porta d'entrada, o timbre das armas reais daquela época.
Depois de 1828 foi a ermida profanada, e nela funcionou a primeira imprensa dos Açores, denominada da Prefeitura ou do Govêrno, desde 1832 até 1835, sendo compositor o emigrado portuense João de Sousa Ribeiro, sargento-ajudante do Batalhão de Voluntários da Raínha. Retirada a imprensa dali,
alguns devotos conseguiram restaurar a ermida, onde se rezava o Têrço todos os domingos á tarde. A ermida ficou ao cuidado do dito João de Sousa Ribeiro, que sempre se responsabilizou em promover, anualmente, a festividade de Nossa Senhora no mês d'Outubro, e bem assim (á hora da morte) pediu aos filhos p'ra dar continuidade á festividade, o que tem sido escrupulosamente executado pela família."
Sampaio descreve ser a ermida de pequenas dimensões, apenas com um altar onde se encontra a imagem de Nossa Senhora, e ainda um pequeno côro alto. Consta-me que aqui repousam os restos mortais do Padre Manuel Maldonado, autor da
"Fénix Angrense", e que em vida exerceu as funções
de capelão do Castelo.
No seu livro "Ermidas da Ilha
Terceira", publicado em 1976, o Padre Alfredo Lucas transmite pormenorizada informação fornecida por José Joaquim Pinheiro àcerca da antiga ermida da Boa Nova,
"que sempre pertenceu ao castelo principal d'Angra, e estava a cargo do segundo capelão
da praça, que residia na casa que lhe fica contígua na parte ocidental (...) a ermida era formosa, e nela o capelão celebrava missa quotidianamente, e administrava os divinos sacramentos aos doentes do hospital militar."
Nos anos (1959-65) de presidência na Câmara Municipal d'Angra, o Dr. Manuel Baptista de Lima apoiou importantes melhoramentos e obras de restauro na ermida, que passou a ser considerada
"Imóvel de interesse
público" por decreto de 9 de Novembro de 1962, conforme José Rodrigues
Ribeiro deixou apontado no seu valioso "Dicionário"
em 1998, onde igualmente é feita menção da Rua da Boa Nova. Por razões que não consegui deslindar, a Boa Nova ficou obliterada no
livro "Ruas da Cidade & Outros
Escritos" do Dr. Henrique Bráz ...
Senhora dai-me licença
Que entre em vossa casa,
P'ra ver vossa formosura,
Meu coração se abrasa.
Senhora da Boa Nova,
Com amor e devoção,
Venho ao vosso altar
Depositar minha oração.
Senhora da Boa Nova,
Nossa mãe e advogada,
Sempre no céu e na terra,
Sois bendita e louvada.
Senhora da Boa Nova,
Os anjos cantam louvores,
Rogai p'las almas todas,
Que sois mãe dos pecadores.
Situado na Rua da Boa Nova, junto á ermida do mesmo nome, encontra-se o Hospital Militar, cuja fundação é anterior a 1700. Diz-nos Silva Sampaio que, em 1766, o governador e capitão general da ilha Terceira, D. Antão d'Almada, mandou reformar este hospital, segundo o plano que trouxe de
Portugal e em harmonia com o Marquêz de Pombal. O hospital, acrescenta Sampaio, "tem duas grandes erfermarias comportando 20 doentes cada uma, e ao lado cinco quartos particulares (três p'ra sargentos e dois p'ra oficiais), acomodando cada quarto dois doentes. Além disso, tem casa de autópsias, casa de detenção, arrecadacão, cozinha e gabinete do director com um pequeno depósito de medicamentos p'ró serviço do hospital. A média anual de doentes neste hospital, nos últimos cinco anos, é de 183. Na parte deste hospital, voltada p'ró Largo da Boa Nova, funcionaram aulas de retórica e filosofia no tempo da regência."
Na opinião de Silva Sampaio, o Largo da Boa Nova nada tem de notável. Fica fronteiro á ermida de N. S. da Boa Nova e estabelece a comunicação da cidade com a fortaleza. No tempo da usurpação castelhana, "durante o cêrco que os terceirenses fizeram ao castelo, foi este largo ocupado por forças portuguesas, depois de convenientemente entrincheirado. Quando os castelhanos se viram obrigados á rendição, foi deste largo que se avistou primeiramente o sinal de capitulação, soltando logo o povo o grito de Boa Nova. Foi este o título com que ficou não só o largo, como também a ermida contígua ao hospital militar."
Se a memória me não atraiçoa, julgo que todas as localidades acima referidas, (ermida, hospital, largo e rua), situam-se nas imediações do antigo Campo de Futebol perto do Relvão, a caminho do Monte Brasil ... um cenário algo esbatido, mas jamais desvanecido, na retina da minha vivência de
estudante em Angra.
P'ra satisfazer a curiosidade dos interessados no desenrolar dos acontecimentos aquando da restauração na ilha Terceira, recomendo a leitura dos volumes V e X da colecção Arquivo dos Açores. É mesmo de encan-tar; são páginas dum autêntico romance!
O saudoso "Mestre" Carreiro da Costa incluíu este tema na
"História da Sociedade & Cultura
Açoriana", uma série de lições proferidas p'ra uso dos alunos do Instituto Universitário (hoje Universidade) dos Açores. Tenho a boa fortuna de possuír cópias dessas 22 lições dactilografadas. E bem
assim, em inglês, o livro "Early History of the Island of Terceira" publicado na Califorlândia em 1990, da autoria do meu vizinho Professor August Mark Vaz ... o pai da conhecida Katherine Vaz.
Evocando agora a benquista memória de Dinis da Luz, termino com a recitação dos versos que ele nos legou:
Quando há procissão no céu
E Deus precisa de andores,
Deus manda os anjos buscar
As nove ilhas dos Açores.
Na primeira ides, Senhora,
Abrindo o grande cortejo.
As ondas vão-vos levando
Tão leve como um desejo.
O amor das gentes vos busca
E acende velas no altar.
Mas quando saís no andor,
O sol acende-as no mar.
E se o firmamento chora
Do grande amor que vos tem,
Caem lágrimas azuis
De hortências p'la terra além.