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UMA MORTE INESPERADA

Uma das coisas que destinguem os seres humanos dos animais, � a forma como reagimos � morte.
Os animais, quando presenciam a morte de outro ser da mesma esp�cie, reagem com indiferen�a, a ponto de alguns, como � o caso das hienas, comerem o fale-cido. Mesmo as m�es, que guiadas pelo instinto lu-tam muitas vezes at� � morte, para defenderem as crias, uma vez que elas morrem, ignoram-nas completamente. Na realidade, as interpreta��es antrop-om�rficas (que encaram os animais como semelhan-tes aos homens), criadas nos s�culos XIX e XX e que ainda hoje prevalecem em certos movimentos extre-mistas de protec��o aos animais, que mostravam os animais a regir � morte � semelhan�a dos humanos, foram todas demonstradas falsas, pela investiga��o cient�fica dos �ltimos anos.
Desta maneira, a morte pode-se afirmar, � para os humanos uma coisa especial, como o provam a expe-ri�ncia actual, a hist�ria passada e at� a pr�-hist�ria.
Nas caves, ou nas plan�cies em que viveram os nossos antepassados, h� dezenas de milhares de anos, ainda hoje se encontram t�mulos e outros vest�gios de respeito e de culto pelos mortos. Todos conhecemos as m�mias eg�pcias e outras formas de respeito pelos mortos que existiam na antiguidade. Pode-se dizer que � aquilo que uma das principais caracter�sticas que distingue os humanos dos seres semelhan-tes a n�s, que poder�o ser classificados de animais como � o caso dos macacos, � o respeito pela morte e o conceito de religi�o.
Quando um ser humano morre os membros da sua fam�lia, amigos e outros que lhe est�o pr�ximos rendem-lhe uma homenagem e mostram p�blicamente como foram afectados pelo acontecimento.
Quanto aos outros membros da sociedade, mesmo que n�o conhe�am o morto, mostram o seu respeito e considera��o. Isto � comum a todas as culturas hu-manas, antigas ou modernas, avan�adas ou primitivas. Ainda me lembra do meu av�, republicano da revolu��o de 1910 e como muitos da sua gera��o fe-rozmente anti-clerical e anti-religioso, tirar com res-peito o seu chap�u quando passava um enterro, que eu nessa altura via apenas como um acto religioso. S� mais tarde vim a perceber, que mesmo aqueles que n�o professam nenhuma religi�o, respeitam e ho-menageiam os mortos.

AQUELES QUE DA MORTE SE LIBERTARAM.
Como diz o nosso grande poeta Luis de Cam�es, h� pessoas cujas vidas tiveram uma import�ncia t�o grande para os que os rodeiam, a sua comunidade, na��o ou at� o mundo, que ao morrerem produzem um luto que transcende os seus amigos, colegas de trabalho ou vizinhos. S�o esses os tais que como diz Cam�es "da lei da morte se libertaram", na medida em que ao morrerem, produzem um luto que transcende o pequeno grupo que os rodeia e cuja partida deste mundo � sentida por toda a na��o ou �s vezes todo o mundo.
O antigo Primeiro-Ministro do Canad� Pierre Tru-deau, embora tivesse cometido muitos erros, foi uma dessas pessoas, na medida que marcou uma mudan�a fundamental no pa�s em que vivemos, tendo contri-bu�do para mud�-lo duma na��o desconhecida no norte do continente americano, para um pa�s moderno, progressista, que � um exemplo para o mundo.
N�o � pois de admirar que a popula��o do Canad�, tivesse participado em massa no luto que se seguiu � sua morte, mesmo aqueles que como eu se opunham a alguma da sua ideologia, nomeadamente no que se refere �s rela��es com a prov�ncia do Queb�que.
Goste-se dele ou n�o, n�o se poder� dizer que Pierre Trudeau, n�o deixou uma marca na sociedade em que vivemos e que ir� para a hist�ria do Canad�, como uma pessoa que contribuiu para construir o pa�s em que vivemos.
Claro que Portugal tem muitas pessoas, que ao longo da sua hist�ria deixaram uma marca na vida do pa�s e cuja morte dever� ser lembrada, come�ando por D. Afonso Henriques, seguido por uma longa lista da qual poderemos mencionar, D. Nuno �lvares Perei-ra, Gil Vicente, o Infante D. Henriques, Fern�o Ma-galh�es, Vasco da Gama, Marqu�s de Pombal, Ante-ro de Quintal, Dr. Egas Moniz e tantos outros.
Nos tempos modernos, mencionando alguns que j� morreram, outros que ainda est�o vivos, como M�rio Soares, S� Carneiro, �lvaro Cunhal, Jos� Saramago, Salgueiro Maia e at� Oliveira Salazar, foram pessoas que deixaram uma marca na sociedade portuguesa e cuja morte foi e dever� ser assinalada, na medida que para o bem ou para o mal, deixaram uma marca na na��o, em que nasceram.
Claro que n�o s� os pol�ticos ou os intelectuais que tiveram vidas que deixaram uma marca na nossa sociedade.
Am�lia Rodrigues que v�rias gera��es de portugueses conheceram como a maior figura da can��o na-cional e divulgou o nome de Portugal no estrangeiro, teve uma vida, que deixou uma marca na sociedade portuguesa e cuja morte lan�ou, muito justamente, a nossa gente em luto profundo.
At� Eus�bio, n�o um intelectual ou um artista, mas um jogador de futebol excepcional, que divulgou o nome de Portugal pelo mundo - ainda me lembro que quando eu vivia em Inglaterra nos anos sessenta, to-da a gente ao saber que eu era portugu�s exclamava "Eusibio"- um dia que morra ir� deixar a na��o portuguesa num luto perfeitamente justificado.

UM IMIGRANTE DA EUROPA.
Como � sabido, Portugal durante dezenas de anos enviou imigrantes para trabalhar nos pa�ses mais desenvolvidos.
Hoje Portugal, merc� de um desenvolvimento eco-n�mico que n�o podemos negar, recebe imigrantes, em vez de os exportar.
Europeus do leste da Europa como da R�ssia, Mol-d�via, Ucrania, Rom�nia, Bulg�ria e Hungria traba-lham em Portugal executando muitas vezes tarefas, que hoje os portugueses se recusam a fazer, pelo menos na sua terra.
H� poucos dias, um desses imigrantes, trabalhando em Portugal se n�o estou em erro desde 1998, morreu no seu trabalho. Poderia ter sido um polaco, que trabalhando na constru��o, ca�ra do andaime e en-contrara a morte neste pa�s estrangeiro, sem que nin-gu�m, com excep��o de alguns compatriotas ou colegas de trabalho, tivessem ido ao seu enterro.
O imigrante a que me estou a referir, tamb�m morreu no seu trabalho, que era jogar futebol.
Recebia, o seu ordenado, executava as tarefas que lhe mandavam, embora n�o tivesse divulgado pelo mun-do o nome da sua na��o como um Figo ou um Eus�-bio. Era por enquanto, um jogador m�dio, que n�o atingira a fama destes dois portugueses e que entrava em campo como suplente.
Chegou a Portugal em 1998, para fazer o seu traba-lho pelo Futebol Clube do Porto, n�o se tendo sequer notabilizado, uma vez que em todo o campeonato jo-gou apenas 5 ou 6 vezes, e n�o marcou um �nico golo. No ano seguinte, foi emprestado - sempre que vejo esta pal�vra aplicada a seres humanos como se fossem animais ou objectos fico ofendido - desta vez ao Salgueiros e no ano seguinte ao Sporting de Bra-ga. Em 2001, voltou ao Porto desta vez nas reservas, donde finalmente iria para o Benfica, aonde acabou por morrer durante o jogo contra o Guimar�es.
Com 24 anos o jogador em quest�o Miklo Feh�r, n�o tinha deixado uma marca na vida da sociedade portuguesa ou da sua na��o, a Hungria. N�o foi um Pel�, ou um Eus�bio, artistas �nicos do futebol, e n�o sal-vou uma na��o da guerra civil e da chacina como Nelson Mandela ou Gandi.
A sua morte foi um facto tr�gico e triste - � sempre triste quando algu�m morre, especialmente com a idade de 24 anos.
Infelizmente, no mesmo dia, em Portugal e na Hun-gria, muitos outros jovens morreram, alguns poss�-velmente, tendo deixado fm�lias na pobreza, e com grandes dificuldades.
Por outro lado, a morte s�bita dum atleta, embora ra-ra n�o � um caso in�dito e at� aqueles que como eu preferem praticar desporto a ler, ver ou ouvir sobre o assunto, se lembram da morte dum jogador chamado Pav�o que se n�o estou em erro, jogava pelo F.C.Porto.Tamb�m, com frequ�ncia os notici�rios in-ternacionais, nos informam de trag�dias semelhan-tes, por este mundo fora.
Assim, temos um jogador estrangeiro, sem nenhuma liga��o especial a Portugal, que nada de extraordi-n�rio tinha feito neste mundo, a falecer duma forma inesperada. Triste sim, mas n�o uma raz�o para luto nacional.
Poderia ter sido morto num desastre de autom�vel - e tantos t�m ocorrido em Portugal, alguns deles re-sultando na morte de atletas - ou falecido, em casa, na cama, no hospital ou at� na rua.
Infelizmente, para bem do bom senso nacional, o pobre homem veio a ter o seu tr�gico fim n�o na privacidade da sua casa ou at� do hospital, mas defronte da m�quina de fabricar not�cias sensacionais, a camara de televis�o.

LUTO A MAIS ?
A reac��o � trag�dia de Miklo F�her, foi na realidade completamente inesperada e exagerada. Uma not�cia que poderia ter estado, na primeira p�gina dos jornais ou nos primeiros minutos do notici�rio da televis�o no primeiro dia depois do acontecimento e de-pois desaparecer ou ser ofuscada por assuntos mais prementes como a crise econ�mica em Portugal, o desemprego ou as mortes nas estradas, passou a ser quase a �nica not�cia. Televis�o, r�dio e jornais portugueses n�o tinham mais nenhum assunto para abordar a n�o ser a morte de Miklo F�her.
Os m�dia, tendo lan�ado uma campanha desenfreada, sobre a morte tr�gica do jovem futebolista, iniciaram uma lavagem ao c�rebro � popula��o, tentando convenc�-la que se tratava duma cat�strofe na-cional. Terramotos, inc�ndios, acidentes de via��o s�rios, e tantas outras trag�dias, que nos �ltimos anos atingiram centenas ou milhares de pessoas em Por-tugal, n�o obtiveram a mesma cobertura, de que a morte de Miklo Feh�r.
Quanto aos pol�ticos, assoberbados com problemas econ�micos, politicos e sociais viram na trag�dia do jovem hungaro, uma boa desculpa para fazer os portugueses esquecer os assuntos s�rios e graves que hoje existem no pa�s em que nascemos e fazerem propaganda pessoal.
� caso para dizer que as coisas atingiram o c�mulo do exagero e da hip�rbole, quando a Assembleia da Rep�blica, votou ao que parece por unanimidade, um minuto de sil�ncio, pela morte do jovem Feh�r. Se eles reagiram assim � morte de um jogador es-trangeiro, que estava a trabalhar em Portugal h� pou-cos anos, calculo que quando morrerem meia d�zia de compatriotas mortos num inc�ndio, terramoto ou desastre de via��o, ir�o decretar luto nacional. E o que acontecer� se f�r o Presidente da Rep�blica, um escritor como Saramago, pr�mio N�bel da Lite-ratura, ou at� Eus�bio, que embora apenas d� pontap�s na bola, foi um g�nio na sua profiss�o e espalhou o nome de Portugal por todo o mundo?
Enfim, tudo nesta vida se quer, como diz o nosso povo com conta, peso e medida.

EM LUTO POR FEH�R.
Dizia-me um amigo meu, pessoa sensata, mas de grande sensibilidade e ainda por cima benfiquista, que ao ver as cerim�nias f�nebres na televis�o at� chorou.
Eu n�o d�vido da sua sinceridade, e que ele estivesse realmente emocionado como sucedeu a muitos mi-lhares de portugueses.
Muitas vezes me tenho sentido emocionado e at� com l�grimas nos olhos, na presen�a de obras de ar-te sejam elas de teatro, cinema, m�sica ou at� poesia. No entanto, essas emo��es s�o produzidas por artistas que n�o representam a realidade. As pessoas que morrem e sofrem no teatro ou no cinema, afinal n�o existem na realidade. O meu amigo e tantos milhares de portugueses reajirem duma forma t�o profunda � morte do jogador h�ngaro estavam a ser objecto de uma campanha dos m�dia, que descobriu uma ma-neira f�cil e barata de arranjar freguesia, e dos pol�ticos que ou se queriam mostrar ou arranjar uma ma-neira do povo esquecer os problemas da na��o.
Tenho a certeza que o meu amigo, e eu pr�prio te-r�amos ficado igualmente emocionados, se os m�dia nos tivessem bombardeado durante dias seguidos, com as trag�dias dos imigrantes da Europa do leste, que est�o em Portugal em condi��es dif�ceis e que morrem ou ficam aleijados em desastres na cons-tru��o. O que est� errado, n�o � termos pena e chorarmos por causa da trag�dia que � a morte dum jovem de 24 anos. O que n�o est� certo, � ter-se transformado essa trag�dia, num assunto nacional, como se nos �l-timos dias, ningu�m mais tivesse morrido em Por-tugal ou sido v�tima de desastres, doen�as ou outras infelicidades.
Ser� que � necess�rio morrer em frente da televis�o, ou ser um "sacerdote", embora de pouca import�ncia, da religi�o do futebol, para que os portugueses tomem uma morte s�riamente?
Afinal Feh�r n�o era um cientista, um benfeitor,



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Toronto,
9/Fevereiro/2004
Edi��o 816
ANO XXV

 

   
     Escreveu
    Dr. M. Tom�s Ferreira

   

   


 

 

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