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ALCUNHAS, CANTIGAS & COMENT�RIOS

 

Na edi��o do �Portugueses Times� de 14 de Abril p.p., na sua habitual sec��o �Expressamendes�, o nosso bom amigo Eurico Mendes presenteou-nos novamente com a sua tradicional originalidade e proverbial alacridade, revelando igualmente a sua inexced�vel mestria de investigador, que abrange tudo quanto escreve e publica.

Desta vez, o seu trabalho intitulado �Alcunha para todos os gostos� despertou-me na mem�ria aquela passagem de Te�filo Braga (1843-1924), que se encontra na p�gina 389 de �Cantos Populares do Arquip�lago A�oriano�, e que a seguir transcrevo:

�Nas cantigas a�orianas reflecte-se a rivalidade que se d� de ilha para ilha. S�o como visinhas da porta, abocanhando-se e alcunhando-se; os habitantes da ilha de Santa Maria chamam �cagarros�; aos de S. Miguel �unha na palma�; e aos da Terceira �rabos-tortos�.

De facto, existe uma quadra muito antiga e popular que diz: �S. Miguel unha na palma/ Terceira, facas sem ponta/ Pico, S. Jorge, Graciosa/ Tudo vai na mesma conta�.

Consoante o parecer de Te�filo Braga, esta fra-se �unha na palma� (usada no s�c. XVI) n�o tinha ainda o sentido mau que lhe damos hoje; significava for�a de pulso e n�o ladroeira. �A tradi��o da valentia e destreza dos habitantes da ilha de S. Miguel, conhecida no continente, donde �am v�rios atletas desafi�-los, ainda hoje se propaga nos cantos populares�.

Em verdade, quer Gaspar Frutuoso nas �Saudades da Terra�, (cap�tulos 61 e 62 do Livro Quarto), quer Ant�nio Cordeiro na �Hist�ria Insulana�, (cap�tulo 19 do Livro Quinto), fazem larga refer�ncia a casos curiosos da for�a e valentia, manhas e destrezas de algumas pessoas da ilha de S. Miguel.

No entanto, em refer�ncia � express�o �unha na palma�, h� quem discorde da explica��o ben�-vola que nos foi transmitida por Te�filo Braga, avan�ando a teoria que assim ficaria o resto da cantiga sem chiste nem l�gica. Consequentemente, �unha na palma� tem significa��o pouco lisongeira, pois que �ter unha na palma da m�o� � uma frase vulgar apontando algu�m ser ladr�o.

Eis o que a este respeito escreveu J. Leite de Vasconcelos na p�gina 204 de �M�s de Sonho�, segunda edi��o, Ponta Delgada 1992:

�Compreende-se sem custo a evolu��o do sentido. Unhas toma-se familiarmente por m�os, ou como �pars pro toto� ou por imita��o zombeteira de unhas de animal, (gato, fu�nha, galo, �guia). Igualmente se diz bico por boca (cala o bico!), garras por m�os (agarrar), pata por m�o e p� (tira a pata!), focinho e tromba por cara. Cair nas unhas de algu�m e deitar as unhas a uma coisa, ambas as express�es significam roubar. E h� quem furte com unhas reais, pac�ficas, militares, disfar�adas, temidas, maliciosas, etc�.

Leite de Vasconcelos prossegue: �Sendo com as m�os que principalmente se rouba, viu-se nelas o tipo do instrumento natural de roubar e o mesmo no seu sin�nimo unhas; mas se unhas se emprega com frequ�ncia por �m�os�, � certo que tamb�m se pode empregar o singular deitar a unha a alguma coisa; e como o homem tem unhas verdadeiras, postas nas extremidades dos dedos, conside-rou uma em separado e imaginou-a na palma ou voltada para ela, a fim do roubo ser mais imediato e pronto�.

Contudo, afian�a-nos Leite de Vasconcelos, �sosseguem os simp�ticos micaelenses (como n�o havia eu de empregar este ap�teto, se fui t�o bem tratado em S. Miguel?), porque em o circuito da etnografia popular se encontram frases, ditados, can��es, que uns povos dirigem picantemente a outros seus vizinhos ou seus rivais�.

Temos neste caso, por exemplo, a pacata ilha do Corvo com o seu �recadinho� p�ra onde envia dinheiro para fazer compras e pagar contribui��es: �� Faial, Faial das canas/ � Pico, Pico das faias/ � Faial, tu n�o me logras/ � Pico, tu n�o me enganas!�

Relativamente � express�o �facas sem ponta�, eis o que nos diz o terceirense Ant�nio Cordeiro (1641-1722) na sua �Hist�ria Insulana�, Livro Sexto, Cap�tulo 30, P�ginas 379-380, Edi��o 1981:

�Feito isto e moderado assim o governo, ao princ�pio insolente, do dito fidalgo castelhano e Mestre de Campo, chamado Jo�o de Urbina, come�ou da� por diante a governar com grande modera��o e aceita��o do povo. E aqui � de advertir se levantou pela noveleira plebe que tinha ficado imposta pena aos moradores da ilha Terceira, que n�o pudessem mais trazer consigo algumas armas mas s� faca sem ponta; donde tomaram os de outras ilhas chamarem, por opr�bio, aos da Terceira �facas sem ponta�. Mas o indubit�vel � que tal pena nem Filipe II, nem o Marqu�s de Santa Cruz, nem outro qualquer seu subdito, nenhum tal pena imp�s, nem se mostrar� juridicamente em autor algum; e s� foi impostura levantada da emula��o que umas ilhas t�m com as outras, e especialmente com a que Deus fez cabe�a de todas, qual � a ilha Terceira, e o invejam as outras.

E por isso � que levantaram este que cuidavam ser afrontoso apelido, com as outras ilhas a de S. Miguel chamaram �unha na palma�, querendo significar serem ladr�es, o que � falss�ssimo por serem os da tal ilha homens de muito justa conta, peso e medida. Quanto mais que querendo nisso infamar sua cabe�a a Terceira, nisso mesmo a acreditam mais pois nisso significam serem t�o valorosos os naturais da Terceira, que bastaria terem faca com ponta para vencerem a Castela. E por isso esta lhes proibiria o trazerem faca com ponta�.

De tudo isto, e n�o s�!, podemos f�cilmente concluir que as alcunhas de �unhas na palma e facas sem ponta� atribu�das, respectivamente, aos micaelenses e aos terceirenses, s�o de longa data e apenas �gracinhas� sat�ricas. Quanto �s restantes ilhas do Pico, S. Jorge e Graciosa, como se diz na cantiga, �tudo vai na mesma conta!�

Uma outra cantiga bastante curiosa, e que certamente se presta a diversos coment�rios, � esta: �A Terceira veste seda/ S. Miguel de chamalote/ O Pico pano da terra/ O Faial de toda a sorte.�

O meu saudoso �Mestre� Carreiro da Costa, citando o Dr. Lu�s da Silva Ribeiro (1882-1955), legou-nos a seguinte informa��o:

A Terceira veste seda alude ao facto de Angra ter sido, em tempos, capital dos A�ores e de Portugal, tamb�m, onde residia uma aristocracia vivendo � lei da nobreza. S. Miguel de chamalote refere-se a um tecido de l� de camelo, ou de seda �s ondas, contrastando entre o luxuoso vestu�rio da fidalguia terceirense e o vestu�rio mais pr�tico dos ricos comerciantes micaelenses.

O pano da terra, aplicado ao Pico, era feito de l� de carneiro ilh�u, e portanto uma ind�stria caseira produzindo vestu�rio p�r�s homens do campo e do mar. Faial de toda a sorte refere-se, poss�velmente, � cont�nua aflu�ncia de estrangeiros ocasionando novidades quer nos costumes quer nos trajes.

Guardarei outras alcunhas, cantigas e coment�rios, p�ra nova cr�nica. At� l�, esta quadra da minha �Ribeira Grande�: �Se vieres p�r� meu peito/ Traze faca e machado/ P�ra cortar as ra�zes/ Qu�outros amores t�m deixado�.



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Toronto,
17/maio/2004
Edi��o 830
ANO XXV

 
      Por Ferreira Moreno

   


 

 

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